top of page
Foto do escritorLuigi Pedone

Brasília, política, arte e cultura.

Atualizado: 24 de out. de 2023

Como um retalho de várias vivências culturais e sendo cartunista, artista, historiador e educador venho tentando mostrar as várias faces da educação embutidas em atividades artísticas, e como promove o fortalecimento da cidadania e do pensamento crítico, contribuindo para o desenvolvimento de artistas que alimentam uma renovação na educação.

Este trabalho de pesquisa visa mostrar a importância dos Espaços culturais, na formação do sujeito artista visual em Brasília, principalmente através de observações e vivencias em ações socioeducativas realizadas nas oficinas que vivenciei como aluno, e hoje como artista-professor nas três oficinas que realizo no Espaço Cultural Renato Russo.

Enfatizando a existência de um espaço de saber artístico na construção do caráter, e na formação do jovem cidadão artista. Usando do suporte da historiografia encontrada sobre o inusitado espaço da 508, venho construindo uma ideia de que a cidade necessita de espaços geradores de cultura.

Não por acaso o objeto deste trabalho é a famosa esquina na w3 sul que abriga o multifacetado espaço cultural, onde gerações de artistas se formaram e forjaram o cenário das artes visuais no DF, fazendo valer a prevalência de uma arte popular e acessível para todos. Idealizada por Ferreira Gullar em sua passagem pela Fundação cultural em 1962, ainda no governo de Jango.

Nos primeiros anos a cidade passou por mudanças e adaptações em sua concepção. A liberdade de agentes culturais no início foi fundamental para a concepção dos instrumentos de cultura como conhecemos hoje. Quase tudo foi aumentado e adaptado, para melhor se ocupar da urbe, dando razão algumas facetas e se apossando dos espaços na cidade.

Um destes agentes foi o embaixador Wladimir Murtinho, que na primeira vez que chega na cidade em 1958, realiza um feito em tanto, convencendo Roberto Burle Marx a fazer o paisagismo no Palácio dos Arcos, unindo novamente o paisagista ao projeto de Niemeyer depois de anos em desentendimento.

Com todas as mudanças na sociedade advindas do Golpe de 1964, as diretrizes da cidade foram drasticamente alteradas, ao ponto de várias das ações sociais e até de término na malha urbana terem sido negligenciadas pelos militares, que tinham uma visão provinciana de Brasília.

Várias ações foram realizadas como salões de artes e encontros que foram realizados para fomentar a atividade artística, em uma cidade longe dos centros urbanos e culturais, e com os direitos seciados pelo regime. Artistas e professores foram presos, assim burocratas assumiram o controle das artes na capital. Foram tempos difíceis, porém também foram e certo modo um bom antagonista para a heróica trajetória das artes no DF.

As cidades são construídas através de suas vivências, mesmo cidades planejadas estão sujeitas as transformações, e Brasília não foi diferente. Tendo que articular nos mundos políticos e culturais ao mesmo tempo as ações socioeducativas se tornaram parte da vida da cidade, tendo manifestações culturais para todos os públicos e classes sociais.

Brasília se desenvolve em meio a grandes mudanças do cenário brasileiro, sua concepção advinda da chamada Década de Ouro, é resultado de um ideário de Brasil que movimentou e permeou a cabeça da população média e levou milhares a se deslocarem por um sonho de Brasil inaugurado na constituição de 1891, e somente realizada nas palavras do Doutor JK.

Foi nos traços de Niemeyer com o projeto bem articulado de Lúcio Costa que a construção da cidade inaugurou um tempo de plenitude nas artes e até no pensamento do que seria um novo país, preparado para receber as demandas do “novo mundo”. Foi como pensar uma cidade para ser uma capital livre das amarras do passado imperial, e finalmente adentrar um período mais justo e democrático politicamente, mas fazê-lo da forma mais difícil, em apenas 1000 dias.

A Lagoa da Pampulha em Belo horizonte construída no ano de 1936, foi um embrião desse projeto que seria uma cidade composta de instrumentos urbanísticos harmonicamente concebidos para receber uma vasta produção artística, ampla, pública e participativa, bem aos moldes modernistas. Nos traços de Niemeyer com o projeto urbanístico do engenheiro Joaquim Cardozo, o entorno da famosa lagoa abriga obras e monumentos, um claro ensaio para o que seria Brasília, refletido nos bairros e monumentos da capital de JK.

A primeira obra construída em Brasília foi o palácio de tábuas, carinhosamente chamado de catetinho em referência ao palácio do Catete sede do governo federal no Rio de Janeiro. O lugar era um pequeno Sítio onde o presidente passou a maior parte do seu mandato, durante os 1000 dias da construção, lá ele recebeu amigos, artistas e até representantes de outros países.

Assim Brasília que é fruto da cultura dos anos 1950, chamada na construção do imaginário como década de ouro, vem sendo uma peça importante no cenário cultural da década, que na verdade é repleta de autos e baixos, foram tempos que ganhamos e perdemos em quase tudo, do futebol aos presidentes, que culminou com os desejo de grande parte da elite do Brasil central, que tinha prioridade de trazer os principais movimentos políticos e culturais para o desolado centro–oeste. Foi um tempo de muitas mudanças, e as artes produzidas nesse tempo refletem uma sociedade efervescente.

Brasília foi pensada em várias frentes por grandes nomes como Anysio Teixeira, Darcy Ribeiro e Ferreira Gullar, entre outros. Além dos nomes de artistas que compõe o patrimônio artístico na malha urbana da cidade, que faz com que a capital ganhasse uma conotação não somente política, mas amplamente cultural, em sua realização e para ser parte integrante a educação ofertada nos planos iniciais, ainda muito presente nos tempos atuais.

Nas palavras do pioneiro e desembargador G.I Joffily, por toda a cidade em seu plano piloto nos remete uma cidade “cibernética e faraônica” (JOFFILY.1971).

“A imagem é de uma plataforma espacial, ornamentada com formas lógicas. Nas noites estreladas, fugindo se às luzes da cidade, percebe-se o contato com a terra e forma-se uma visão cósmica do universo.”
(JOFFILY, p66,1971)

O arguto desembargador e cronista, descreve em detalhes uma cidade realmente faraônica pela quantidade de palácios e monumentos, enaltecendo as artes em esculturas e pinturas, juntamente com o paisagismo revolucionário de Roberto Burle Marx. Com todo marketing da época ele vendia bem o projeto da capital do futuro, preparada para um novo tempo, é esse o pensamento que inaugurou Brasília e a década de 1960.

“... na mesma esplanada, ficam os Palácios dos Arcos, a Catedral e o Teatro Nacional. O Palácio dos Arcos foi planejado para recepções de gala do Ministério das Relações exteriores (Itamaraty), contendo largas áreas interioranas, livres de quaisquer colunas e tendo como principal ornamento um jardim de plantas regionais concebido por Burle Marx.”

Enquanto a cidade se desenvolvia durante o início dos anos 60, ela viveu momentos únicos que encerraram de vez os anos dourados, tanto nas artes, quanto na sociedade, a cada obra inaugurada tinha um espaço para que a produção artística deste tempo pudesse estar presente. Tornando a cidade parque, também uma cidade galeria.

Esses aspectos estão evidentes nas primeiras quadras, com seus cinemas, palácios e outros instrumentos urbanísticos amplamente dispostos pela cidade.

Assim podemos verificar que os prédios públicos possuem um vasto acervo de obras significantes que compõe o patrimônio histórico e artístico nacional. Mas tudo parece ter mudado em 1964, Brasília viveu momentos únicos que encerraram um período dos anos dourados, inaugurando os "anos de chumbo". E muitos dos artistas se tornam ativistas, dando uma dimensão política aos movimentos artísticos na Capital.

Brasília era uma vitrine para o antigo Brasil, uma janela de onde pudessem espiar os movimentos políticos. A diretriz educacional foi profundamente alterada, A cidade começou a mostrar uma face repressora, que oprimia e segregava. Assim nasce em Brasília um movimento artístico atrelado com políticos que "Blindasse" as produções dos artistas.

Nesse contexto aparece em Brasília um movimento de resistência política através da arte que ocupava os principais espaços "vagos" na urbe inacabada, muito próximo com as ideias de insatisfação universal que permeava o mundo, nos Estados Unidos os jovens responsáveis pelos movimentos contra A guerra do Vietnam se transformaram em agentes da contracultura, e esse fato contaminou os jovens artistas de Brasília, muitos deles eram do corpo diplomático ou tinham alguma ligação com exterior. O que facilitava para a divulgação de muita coisa de difícil acesso.

Essas primeiras gerações viveram em uma cidade em transformação, sem um ordenamento público e protegidos pela distância dos grandes centros, ao mesmo tempo em que era uma cidade que representava o poder público, também parecia que foi construída para nós, e assim poderíamos, ou melhor, deveríamos nos apossar dos espaços vagos. Sempre com arte, cultura e educação.

Brasília foi golpeada em todas as direções, mas a educação e as artes são sempre as primeiras a sangrar nas ditaduras (Barbosa, p336). E foram tomadas as providências durante a ocupação da UnB e do ICA (instituto central de artes) pelas forças policiais e exército que levou a expulsão de professores, Junto com a "demissão coletiva" de mais 200 em 1965. O que causou uma enorme fissura no meio intelectual na universidade.

Em 1968 alguns destes professores voltaram, mas com suas atividades vigiadas e pesquisas interrompidas, tendo muitas das vezes que fazer parte de uma luta constante pela afirmação da arte como instrumento de educação. Esse movimento histórico fez com que Brasília tivesse que criar instrumentos que comportassem as diversas obras de arte, intervenções e peças de teatro, todas com um cunho político.

Assim nasce em Brasília a efervescência que movimenta o processo de educação nas artes, e seus reflexos na vida e obra de milhares de artistas, impactando politicamente as pessoas, e modos de pensar os espaços destinados ao fazer artístico.

Nos anos 70, através dos movimentos políticos, houve uma abertura para que espaços de cultura pudessem existir, muitos disfarçados de cursos profissionalizantes, como foi o caso do Espaço da 508.

Foi a necessidade que levou o então Secretário de Cultura e Educação se apossar dos Galpões sem uso na W3. o embaixador Murtinho tinha o histórico de adaptar espaços, foi criador de um "apartamento" dentro do edifício no Itamaraty, também criou a Sala Alberto Nepomuceno no teatro nacional, Cláudio Santoro. Tudo fora do desenho original das edificações, convencendo Niemayer com fortes argumentos arquitetônicos.

O próprio embaixador em uma palestra realizada na FAU-UNB ( 2021 ) disponível no site do "youtube", comenta como foi a abordagem usada por ele no processo de consolidação da cidade dentro dos moldes originais, mostrando que a educação e Cultura foram importantes elementos na formação da identidade cultural em Brasília.

As Artes Visuais neste tempo como meio de educação eram negligenciadas e distorcidas em várias interpretações de diretrizes e normativos para exercer a docência ou mesmo como meio de expressão artística.

Todos os movimentos sociais e políticos levaram o espaço cultural na 508 ser um dos principais instrumentos artísticos na cidade. A adaptação proposta pelo embaixador e seus sucessores foram cruciais para que algumas gerações de artistas pudessem existir, formando uma cena cultural forte e consolidada. Que viesse a concretizar A educação em artes visuais.


Bibliografia:


  • A intinerâcia dos artistas. MADEIRA, Angélica . Ed UnB. 2013

  • A nave 508: Espaço dos insistencialistas. de MATTOS, Suyan . Ed da Aurora , Brasília DF 2021.

  • Brasília, cibernética e faraônica, JOFFILY, Geraldo Irineu. Ed Brasília 1971.

76 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page