Luigi Pedone
Os valorosos textos propostos como objeto de reflexão pelos professores, advindo da obra da obra Construir e Habitar (Sennett.2018) foram de grande valor contributivo para o desenvolvimento dessa reflexão que relaciona-se com a cidade de Brasília, e principalmente com o centro histórico do plano piloto, com foco nas quadras modelos da 308 e 508 sul, mais particularmente com a 508 sul, e seu multifacetado “galpão das artes”, hoje o espaço cultural Renato Russo. A primeira impressão foi que era uma tarefa difícil, mas lendo as tendências históricas consegui traçar uma relação no processo urbanístico com as transformações que as cidades sofrem por conta da sua sociedade, tanto na França e na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX e até na Brasília do pós guerra, repleta de significados urbanísticos e sociais.
É claro como fica evidente uma forte ponte não somente no processo de construção das cidades discutido pelo autor, mas como uma fonte histórica de como se molda uma urbes. Como artista e historiador entendo que a formatação de cidade-parque fica intimamente ligado neste artigo, pois à evolução da urbes iniciada nos primeiros anos da revolução industrial vêm em seus Bulevares e outros espaços projetados para bem estar, que se refletem na construção de nossa capital, não somente pelas necessidades que as cidades demandam, mas também por todos os processos sociais advindos desses movimentos, tanto no século XIX, quanto no XX também. O autor revela uma urbe pré-industrial se libertando de doenças e antigos dogmas em sua sociedade, transformando-se em corpo social, onde se prima pelo ordenamento visível aos olhos. Este modus operandi, está muito presente nos conceitos urbanísticos de Lúcio Costa, que apresenta em uma forma cartesiana de seus logradouros, uma mudança no antigo conceito desenvolvido por Napoleão durante século XIX, como um exemplo que não poderia deixar de reparar, pois neste artigo pretendo fazer uma relação real com as cidades e sua ocupação com o espaço funcional de cultura em todos seus parâmetros.
O Autor ao descrever a ação migratória dos trabalhadores saídos do Império Britânico e da França em direção ao norte estadunidense e algumas cidades canadenses, mas principalmente rumo as prósperas localidades da Filadélfia e Nova Iorque, em busca das “fronteiras”, onde as pessoas de baixa renda poderiam viver em um certo ordenamento, mesmo que ainda em 1720, me leva ao movimento reflexivo, e automaticamente me traz imagens do movimento que deslocou massas de operários de todos os lugares do país para construção fenomenal de Brasília em apenas 1000 dias. Impossível não relacionar esses dois fatores, mesmo que em épocas tão distintas. Pois é sabido que através desses processos outras localidades surgem ou sofrem grandes transformações que não são sanadas, e eventualmente se tornam uma fonte de desordenamento na urbes. Mas como descrito podem também oferecer soluções e se transformam como fatos socioeducativos dentro do próprio processo de crescimento da cidade, planejada ou não.
A filosofia artística imposta aos construtores é um fator importante ao pensar a cidade como palco de um processo das visualidades que envolve meu objeto de pesquisa, que são os espaços informais de ensino de artes e a influência na educação de quem recebe este tipo de arte, mesmo em forma de comunicação de massa, seja impressa ou forma de outras manifestações culturais. Como descrito pelo autor R.Sennett, quando descreve uma Paris dos romances ligados “A ciência das cidades” e como esses contos sempre culminam em um processo de degradação da vida na cidade, é relatado em seus romances sempre uma profunda desilusão em relação às expectativas das cidades nas vida das pessoas, como se a arte fosse um ponto de frescor dentro disso tudo, sendo uma lembrança de como a vida poderia ser melhor, se não fosse tão impulsiva. E quando a cidade se volta ao conceito artístico a arquitetura da malha urbana ganha uma função sublime, se cria um espaço social voltado ao bem estar, assim como nos planos de Lúcio Costa.
As cidades e vilas de meados do século XIX tinham como corpo social uma sociedade em plena transformação, uma era de revoluções nas relações políticas e as artes também sofreram mudanças nessa forma de ler as Ville “sólidas” e as cité “líquidas”. A industrialização e o acúmulo de capital durante os anos de 1840 - 1880, levaram as pessoas a reinventarem as formas de comunicação e ensino, sempre se adequando às constantes mudanças de vemos nas sociedades até hoje. Em Brasília o caminho foi parecido onde que para construir as primeiras quadras modelo do plano piloto se fez um enorme espaço parecido com os Bulevares franceses em toda a W3, os comércio eram originalmente voltados para dentro das quadras, sendo ainda mais uma cidade parque, como o conceito de Frederick Law Olmsted, em seu projeto para o central park, de Nova York. Brasília comunga com todos os processo de urbanização que ajudou no desenvolvimento de espaços culturais saídos do improvável nas cidades, um forte exemplo disso é o Antigo “galpão das artes” que em plena ditadura militar, foi palco de peças de teatro e memoráveis shows, onde gerações de artistas se utilizaram desse espaço para desenvolver profissionalmente, quem melhor define o espaço cultural da 508 sul, é a ex-secretária de cultura Maria Luiza Dornas, citada na publicação Espaço cultural da 508 sul: onde os brasilienses fazem arte (2002):
“dos próprios geridos pela secretaria de cultura, o Espaço cultural da 508 sul é o que mais expressa com a legitimidade a vida cultural brasiliense. Núcleo original de pulsação de artes na cidade, a história do lugar revela que em poucas décadas a 508 sul atravessou fases surpreendentes como centro aglutinador de idéias, pensamentos, práticas experimentais e expressões artísticas. É porque ali circulavam as vontades, os desejos, das novas gerações que vão chegando com indagações e disposição, com abertura e solidariedade”. (Afonso,2006,p 13)
Figura 1. Pedone , Luigi. 2023.
Fonte: Pedone, Luigi. Galpão das Artes. Brasília DF : Série Bsb ¨60 anos,” 2023.
As artes se utilizam das redes que a cidade comporta, e se comunica com todas as esferas da educação, nos espaços não formais, e nos espaços formais de ensino de artes, o espaço cultural Renato Russo da 508 sul, nasceu dessa transformação do que seria destinado para um fim comercial na W3, para o que a sociedade necessitava nos meados dos anos 70. Assim como a universidade de Brasília foi palco de muitas dessas lutas no aspecto intelectual, o espaço cultural da 508 sul fazia seu papel na esfera cultural, sempre acolhendo artistas e ideias que deram base para surgir uma arte Brasiliense de fato, dali podemos destacar a produção de vários dos movimentos, onde surgiram pérolas como a Revista Risco, em 1974, primeiro editorial de humor da capital, assinado por Jô Oliveira e convidados parceiros, também na música, foi o nascedouro de artistas como Zélia Duncan, Cássia Eller e do próprio Renato Russo, dentre outros artistas de outras áreas como J pingo, Hugo Rodas, Darlan Rosa, TT Catalão, e etc… Este espaço conversa com a cidade de forma íntima, e hoje abrange o complexo da quadra modelo que comporta outros elementos como posto de saúde pública, escolas de ensino integral, uma igreja, um cinema e um clube vizinhança, acompanhados de 4 bibliotecas temáticas. De fato não era algo que se tinha em todos os quarteirões do Brasil durante os anos de chumbo durante a ditadura militar, o que claramente representa a realidade de uma pequena parcela de brasileiros privilegiados pelo desenho urbanístico e um sistema protecionista planejado.
Entretanto é possível traçar semelhanças nas cidades da europa imperial no período da Pax Armada com o ideal de nossa capital, as dificuldades pensadas remetem-se aos textos de Sennett, onde o autor descreve em 1900 os Bulevares e lojas planejados pelo Barão Haussmann, que redesenhou Paris, para melhor transitar dentro do meio natural, levando leveza no modo de viver e morar, impossível de pensar isso tudo sem pensar sua inevitável influência da vida artística da cidade, onde cada vez havia uma demanda de artes para todos os tipos de grafias, desde revistas de comunicação de massa, até centros de produção artísticas voltados ao ensino de artes para manter uma demanda constante da indústria européia, contudo a relação entre os moldes apresentados para Brasília se assemelha no aspecto de bem estar no meio natural urbano, em sua diretriz, a capital de JK é pensada também nos moldes de uma variação dentro de uma esfera de estudos, compatíveis com valores de meados do século XX, acreditando por exemplo, que a capital haveria no distante ano 2000, apenas 500.000 pessoas, hoje o equivalente a população urbana de Montevideo, no Uruguai. Pensar uma malha comercial para uma população restrita leva ao nível da arte apresentada, ao desaparecimento, ou elitização. O que de certa forma é vivido, e o início desse processo é identificado com a invenção da fotografia, que fez o artista plástico perder importância comercial, mas por outro lado ele ganha em notoriedade social, tanto na França de 1900, quanto na Brasília dos anos 70 e 80.
Brasília também se contamina dos conceitos de Frederick Law Olmsted, em seu projeto do parque da cidade, uma espécie de central park tupiniquim, bem Bossa Nova para dizer a verdade, feito em um frenesi, assim como as multidões que invadiam os cafés dos Bulevares de Haussmann. Lúcio Costa e Oscar Niemeyer beberam nessa fonte, e a cidade foi além, criou maneiras de adaptar-se e crescer fora dos eixos delineados, são as demandas sociais que movem os alicerces das cidades, mostrando novos trajetos e traços para uma população que constantemente será removida de lugar, pela própria ressignificação dos espaços de viver.
Em um momento foi posta em xeque a ideia de cidade parque no plano urbano de Brasília, mais precisamente durante o regime militar, onde as diretrizes iniciais da cidade foram impostas por uma agenda engessada de pensamento crítico e funcionalidades diferentes, assim como o paralelo traçado na Europa do início do século XX que deu início à primeira guerra. O autor nos apresenta na citação fotográfica, “A influência de Ildefons Cerdà, que diferente de Haussmann focou no prédios em vez do espaço público” (SENNETT, 2021, p. 228) impossível não traçar uma forte relação com os planos retos com baixos prédios que mostra uma enorme semelhança na Barcelona de Cerdá, na Brasília de Niemeyer.
Contudo o artigo busca mostrar essas influências históricas nas formas de se planejar as cidades, descobrindo e relacionando os processos de formular o planejamento urbano em um melhor habitar, sendo um dos principais aspectos do desenvolvimento humano desde seu advento na antiga Mesopotâmia, as cidades são palco de aprendizado, burocracia, e de acúmulo de poder e como podemos distribuí-lo entre os pontos críticos fortalecendo ou enfraquecendo as sociedades.
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